quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Mato Grosso

Sobre a História do Nome e eo Surgimento de Mato Grosso



Prática comum nas espacializações portuguesas projetar - expandir em busca de novos achados auríferos e da cobiçada mão de obra indígena, principalmente a dos Pareci. Buscavam-se novos vetores e eixos de colonização, laçeando as conquistas lusas sob solo hispânico forjando o espaço de Mato Grosso, que pelo Tratado de Tordesilhas (1494), estava imaginariamente sob os domínios de castelhanos.

Espacialização e reespacialização em áreas indígenas milenares, ainda inquantificável, que nas palavras do cronista setecentista Antônio Pires de Campos quem em 1716/1718, após contar aproximadamente 80 grupos indígenas desabafa diante do número infindável: seria processo infinito se quisesse narrar as várias nações (...) e menos numerá-las, por se perder o algarismo.

Após o acúmulo de mais de dez anos enraizados na Vila Real de Cuiabá – unidade política-administrativa do ultramar português, inventada em 1721 por Miguel Sutil, o movimento e a vibração do mercantilismo segue o fluxo no quadrinômio: invasão-conquista- colonização- expansão, chegando em 1734, nas franjas do chapadão onde se constituía o vasto Reino dos Pareci, segundo documentos iconográficos.

Os assim chamados negros da terra – índios escravizados por bandeiras de preamento tinham um valor significativo, no rico e nefasto comércio de mão de obra indígena na sociedade escravista portuguesa.

Os Pareci desde antes, nos tempos iniciais do Arraial de Cuiabá já eram capturados nestes sertões, havendo inclusive referências à sua docilidade e civilidade: nas palavras dos cronistas. Foram enviados às dezenas para trabalharem em outras vilas coloniais.

Esta etnia entre outras tantas, foi motivação de muitas bandeiras de preamento e correrias nos sertões do termo da Vila de Cuiabá na direção oeste, financiadas por capital privado dos homens bons da Vila de Cuiabá.

Existiam pelo menos três motivos destas expedições: o preamento e comercialização dos índios, a procura de novas datas minerais e o combate a Guerra Justa, – direito de extermínio das sociedades indígenas consideradas bárbaras, como os temidos Paiaguá, índios tidos como bárbaros, pela defesa dos seus territórios. Índios bravios imortalizados na letra do Hino e no nome do Palácio do Governo.

Segundo relatos de Francisco Caetano Borges nos Anais de Vila Bela de 1754, sobre a expansão da conquista oeste da Vila de Cuiabá, os primeiros achados de ouro desta região indicam o nome de dois desbravadores bandeirantes, ofuscando os demais homens envolvidos na bandeira (certamente negros, índios e colonos pobres), paulistanos de Sorocaba, como Miguel Sutil: Saiu da Vila do Cuiabá Fernando Paes de Barros com seu irmão Artur Paes, naturais de Sorocaba, e sendo o gentio Pareci o mais procurado e já quase extinto, e depois de conquistarem alguns nas suas vastas campanhas, cursaram mais ao poente delas com o mesmo intento, e arranchando-se no ribeirão que deságua no rio Galera, o qual corre ao nascente a buscar o rio Guaporé, e aqueles nascem das fraldas da serras hoje chamadas de São Francisco Xavier de Mato Grosso da parte oriental, fazendo experiência de ouro, tiraram nele três quartos de uma oitava (aproximadamente 2 quilos e meio) na era de 1734.

O nome do primeiro povoado minerador São Francisco Xavier deve-se ao financiador da expedição, o comerciante Luiz Rodrigues Villar, que ao receber a notícia dos novos achados, estava lendo a vida do grande apóstolo da índia São Francisco Xavier e em seu louvor mandou que se batizasse o local, orientando em seguida a construção de uma capela com o nome do referido santo.

Ao contrário do que se imagina este pequeno arraial antecipou o surgimento de Vila Bela da Santíssima Trindade em 18 anos, sendo o primeiro povoado estabelecido na região do Guaporé, depois, Mato Grosso.

Destaco aqui que até sua elevação e status de capitania em 1748, estas posses eram objetos de litígio entre as coroas ibéricas e estavam sob a jurisdição da capitania de São Paulo.

Seguindo as notícias, feitos mágicos e heróicas de sertanistas tarimbados da própria Vila de Cuiabá, e as coordenadas geográficas riscadas no chão com a mão ou com um galho seco, nos caminhos e trilhas homens reinóis negros e índios trilheiros expandiram fronteiras e amansaram sertões na parte mais central do continente sul americano. História da colonização ainda pouco conhecida, espacialidades urbanas palmilhadas a mais de 500 quilômetros da Vila de Cuiabá.

Desde os primórdios da colonização pairava no imaginário social dos paulistanos os sonhos de enriquecimento no eldorado, lugar mítico com metais em abundância, a lendária serra dos Martírios onde jorrava ouro ou da onírica serra de Prata no Reino encantado de Paytiti alimentava e impulsionava desejos de enriquecimento.

Estas expedições eram formadas por protagonistas anônimos, silenciados pela historiografia oficial: índios cativos, caburés e negros, além dos decantados e cultuados bandeirantes, brasílicos (piratinguenses), homens que garatujavam letras e dominavam diversas línguas indígenas.

Surgia contudo, como produto destas ambições mercantis um novo topônimo na cartografia portuguesa: Mato Grosso nome que surgiu, 14 anos antes da invenção da própria capitania (1736-1748), as referências de ordem escriturárias e de mapas indicam variadas referências a estas espacializações, destacando elementos das paisagens, hoje conhecidas como ecossistemas e em alguns casos acompanhadas do etnônimo Pareci, conforme apontou o historiador Carlos Rosa todos estes nomes demarcavam esta nova territorialidade alcançada: o Mato Grosso, o Mato Grosso dos Pareci, o Mato Grosso do Sertão dos Pareci, Sertão de Mato Grosso no Reino dos Pareci.

Tais descobertas do vale do Guaporé e suas repercussões na metrópole lusitana, entre outros motivos, seguramente motivaram a constituição da capitania de Mato Grosso em 1748.

Para o cronista José Gonçalves da Fonseca os primeiros registros manuscritos que apresentam a expressão Mato Grosso, que mais tarde por uso coloquial, domínio escriturário e ícono-cartográfico veio a nomear a capitania seriam atribuídos aos achados auríferos de São Francisco: (...) saindo uma tropa de gente da Vila do Cuiabá a explorar as campanhas dos gentios chamados Pareci (...), que habitava nas dilatadas planícies ao norte da grande chapada, e achando a referida tropa todo aquele continente destruído de tudo que pudesse fazer interferisse as suas diligências, se determinaram a atravessar a cordilheira das gerais de oriente para poente; e como estas montanhas são escalvadas, logo que baixaram à planície da parte oposta aos campos dos Pareci (que só tem algumas ilhas de arbustos agrestes), toparam com matos virgens de arvoredo muito elevado e corpulento, que entrando a penetrá-lo o foram apelidando Mato Grosso; e este é o nome que ainda hoje conserva todo aquele distrito.





Parte 2

Seguindo as informações dos topônimos vamos aos significados, Houais nos dá algumas pistas seguras:

Mato: vegetação constituída de plantas não cultivadas de porte médio, e geralmente sem qualquer serventia.

Grosso: de maior diâmetro, em comparação com congêneres; volumoso; corpulento.

Esta distinção de princípio paisagístico me parece fundamental, pois a idéia geral do que se compreende como mato num padrão comum de uso linguístico e observação do ambiente natural da Vila de Cuiabá era o Cerrado, que no mesmo dicionário significa: mata xerófita dos planaltos, de formação arbórea aberta, com vegetação herbácea abundante e cujas árvores são geralmente pequenas e tortuosas e de casca grossa e suberosa;

O topônimo Mato Grosso (floresta amazônica) surge, portanto em oposição ao Mato Cerrado - árvores pequenas e tortuosas. Com a mudança da capital para Cuiabá, o nome do estado ficou aparentemente contraditório, Mato Grosso - Cerrado.

Este acontecimento nos sugere, que se a primeira capital fosse Cuiabá certamente a capitania levaria outro nome.

Esta escolha do primeiro nome da capitania está intrinsecamente interligado a fundação de Vila Bela de Santíssima Trindade naquela localidade, motivada por razões estratégicas geoeconômicas portuguesas.

Mas, como na História não existe “se”, o fato é que o uso da expressão Mato Grosso nasce entre outros motivos para garantir e legitimar as expansões territoriais e conquistas lusitanas na fronteira oeste da colônia portuguesa na América.

Habilidades e estratégias discursivas/cartográficas utilizadas nos batismos dos lugares desde os princípios da colonização portuguesa. Batizar com topônimos lingüísticos lusitanos era o primeiro passo para o apelo do uti possidetis – o direito de posse a quem ocupou por primeiro. Limites que se consolidaram nos tratado de Santo Idelfonso (1777).

No tocante a idéia de sertão (Mato Grosso do Sertão Pareci), no referido dicionário apresenta a seguinte definição: região agreste, afastada dos núcleos urbanos e das terras cultivadas; para além das definições semióticas possíveis, uma me parece emblemática, a imagem de Deserto – Desertão- Sertão, para o ocidente judaico-cristão e suas representações podem significar peregrinação e penitência.

No tocante a associação do nome Mato Grosso ao etnônimo Pareci, indica uma territorialidade indígena estabelecida em uma paisagem estabelecida. Esta identificação étnica seguida da palavra Reino (Mato Grosso do Reino dos Pareci) - indica antes de qualquer coisa, uma organização hierárquica político social e uma quantidade significativa de índios escravizáveis.

A indicação da presença dos Pareci aponta para uma rota de captura de índios, que na prática desembocou no achado de faíscas de ouro às margens dos rios Sararé e Galera, sendo São Francisco Xavier (1734), Ouro Fino (entre 1734-1740), Nossa Senhora de Santana do Pilar (entre 1734-1740), pequenos povoados mineradores do Mato Grosso, ainda pouco conhecidos documental, arqueológico e historiograficamente.

Sabendo das façanhas expansionistas de seus súditos no ultramar, que alargara as terras da conquista e as mechas de ouro encontradas naquelas paragens, El Rey no dia 09 de maio de 1748, através de alvará régio determina a criação de uma capitania, sendo efetivamente instalado em 1751, com a posse do primeiro capitão general Dom Antônio Rolim de Moura Tavares (depois vice-rei do Brasil Conde de Azambuja) desmembrando estas conquistas dos domínios e jurisdição de São Paulo.

Ao que tudo indica, a julgar pela produção intensa de ouro e outros negócios de Cuiabá, as pretensões e ambições mercantis por parte da coroa, eram bem maiores do que comumente se imagina sobre estas terras.

Em 1749, as orientações régias justificaram os motivos das emancipações, dividir para administrar e explorar. D. Mariana, Rainha de Portugal, há milhas distantes destes sertões determina: Considerando a demasiada extensão da capitania geral que se chama de São Paulo, e a dificuldade que se experimentava para que um governador acudisse a tempo, com as providências necessárias a países tão dilatados, tive por conveniente dividir a dita capitania geral em três partes (...).

Nota-se nos trechos uma explícita intenção geopolítica: (...) das quais as mais próximas do mar e daí até o Rio Grande ou Paraná formasse um governo subalterno ao do Rio de Janeiro, como são os mais daquela costa; e deste, o dito, Paraná até o rio Guaporé que deságua no Amazonas, fui servido criar uma capitania geral com o nome de Mato Grosso; e das terras que medeiam entre este governo e o das Minas Gerais, outra capitania geral chamada de Goiás (...).

Contudo, o mal estar da escolha e construção da capital Vila Bela da Santíssima Trindade e não Cuiabá, pólo mais desenvolvido da colonização renderia mais tarde muitas dores de cabeça à administração portuguesa, perdurando-se até a transferência da capital para Cuiabá, na primeira metade do século XIX.

Contudo, esta capitania de Mato Grosso articulava dois estados da colônia por sua posição geográfica: o estado do Pará e do Brasil - partes integradas dos domínios lusos na América. Um elo pelo eixo monçoeiro sul - na carreira comercial do Tietê-Guaporé e outra na direção Guaporé-Madeira-Amazonas, rota norte.

Esta recém criada capitania englobava territorialmente os atuais estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia, seu território correspondia a 2/3 de toda a fronteira ocidental da colônia, fazendo divisa abaixo de contendas e tratados com os vizinhos ibéricos espanhóis.

Ao final do período colonial, o solo português se triplicou e esta capitania fronteira de Mato Grosso serviria como antemural do interior da América lusitana.

Nesta espacialidade formou-se um mosaico social: Negros Benguelas e Nagôs e outras etnias; escravos, forros e de ganho; índios das mais diversas sociedades (cativos, administrados, livres e guerreiros) e brancos (colonos e homens bons) compuseram este mosaico de agentes sociais, numa sociedade fronteiriça excludente, escravista e colonial – Mato Grosso.

No começo do séc. XIX a capitania de Mato Grosso totalizava 26.836 habitantes, entre brancos negros e índios, adentrou o século XX com 589 mil habitantes e atualmente entrou no séc. XXI com 2 milhões e 498 mil habitantes.

Reconhecer a historicidade do nome neste acaso comemorativo dos 258 anos de Mato Grosso é, sobretudo, um grande pretexto histórico para refletirmos sobre o processo de ocupação do estado e seus modelos de desenvolvimento.

Desde seu surgimento até os dias atuais a nossa história tem sido a da colonização, movendo sonhos de eldorado e riquezas fáceis, atraindo levas de aventureiros, investidores e migrantes.

Talvez neste aniversário seja uma oportunidade de fazermos um balanço, destes quase três séculos, entre perdas e danos, com todos os mato-grossenses, os que aqui nasceram e os que para cá vieram, a luz da razão, sem ufanismos, xenofobismos, etnocentrismos ou civismos inconseqüentes.



Suelme Evangelista Fernandes

Mestre em História de Mato Grosso
Fonte: www.seduc.mt.gov.br

Nenhum comentário: